A difícil travessia do Banco Central nas turbulentas águas da inflação
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O escritor Homero narra no poema épico Odisseia a trajetória de Ulisses, um herói conhecido por sua racionalidade, em seu retorno para Ítaca após vencer a Guerra de Troia. No regresso, o personagem enfrenta diversos desafios, mar revolto e ventos contrários. Mas sua perseverança e astúcia conseguem conduzi-lo de volta ao lar.
Desde a implementação do regime de metas de inflação, o Banco Central já conduziu a Selic por diversos ciclos. O processo de subidas e descidas na taxa de juros é natural e faz parte de qualquer ciclo econômico. E sempre tem seus desafios: o mar internacional nem sempre está favorável, e, às vezes, o vento do fiscal atua na direção contrária à da política monetária.
O papel dos agentes do mercado é tentar antecipar movimentos de juros. Mas vemos hoje no mercado de renda fixa uma situação curiosa: enquanto o mercado precifica que o BC irá cortar mais de 3 pontos percentuais a taxa Selic a partir de meados de 2023, também aposta que a inflação ficará acima da meta por um longo período.
E por que é curioso? Temos um banco central independente, que hoje zela pela sua credibilidade – o que não condiz com a ação de corte de juros em um ambiente de expectativa de inflação elevada em horizontes que a política monetária tem capacidade de atuação.
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Apostamos que a inflação irá ceder gradativamente, puxada primeiramente por bens industriais. Já vemos sinais de acomodação na inflação destes bens, que tende a se intensificar ao longo dos próximos meses com a recessão global que esperamos para a indústria. O gradualismo vem do caráter inercial da nossa inflação, em especial no setor de serviços.
Temos hoje uma política monetária significativamente contracionista, cujos efeitos na atividade e na inflação ainda estão por vir. Mas, para garantir a convergência para a meta, o Banco Central terá de perseverar em sua atuação restritiva por um tempo maior do que hoje o mercado acredita.
Talvez a passagem mais conhecida de Odisseia seja a que o herói se amarra ao mastro do navio para não ceder ao canto das sereias, que levaria toda a tripulação à morte. Aqui em nosso mundo, o Banco Central ainda tem um importante desafio à frente, garantir o retorno da inflação à meta. Para tanto, será necessário perseverança em sua política monetária restritiva – principalmente com os ventos contrários que temos visto no fiscal. Apostamos que a inflação convergirá gradativamente para o centro da meta e o Banco Central tardará um pouco mais para cortar os juros.
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