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Reflexões

Back in the USSR?

03 MAR 2022

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“Na Rússia, as disputas geralmente são resolvidas pelo bom senso. Se uma disputa é sobre uma quantidade significativa de dinheiro ou propriedade, os dois lados normalmente enviam representantes para um jantar. Todos os presentes estariam armados. Diante da possibilidade de um resultado sangrento e fatal, ambos os lados sempre encontram uma solução mutuamente aceitável. O medo funciona como catalisador para o bom senso.” – Vladimir Putin

A figura acima tem sido motivo de inúmeros memes na internet durante as últimas semanas. Nas reuniões de Putin com líderes ocidentais, invariavelmente existe uma mesa enorme separando a conversa. É quase uma simbologia de poder e distância entre as partes. Mas será tão alta a chance de um conflito em larga escala na Europa?

Vemos uma probabilidade maior do que a atualmente precificada pelos mercados de uma diminuição na tensão geopolítica, seja por um possível acordo de posição de neutralidade da Ucrânia ou por conflitos mais localizados no leste do país. Mas como sempre, estamos acompanhando a situação de perto e adaptaremos os investimentos se necessário.

Para entender a situação, vamos dividir em três partes. Inicialmente é preciso entender o porquê para a Rússia é inaceitável a Ucrânia na OTAN, mas também o motivo pelo qual a opção de conflito militar em larga escala é o último recurso. Na segunda parte, veremos que os EUA não têm a Europa como prioridade estratégica e que Alemanha e França não desejam um conflito entre Ucrânia e Rússia. Consequentemente, a implementação de uma zona neutra na Ucrânia ou conflitos localizados nos parecem os cenários mais prováveis. Na última parte, falamos dos mercados russos.

Putin não deseja anexar a Ucrânia, mas não irá abrir mão de uma questão de segurança nacional.

O ponto crucial é a localização estratégica da Ucrânia, que separa a Rússia de quatro membros da OTAN e serve como uma zona-tampão. Moscou está localizada no meio de planícies. Na falta de barreiras naturais de proteção à capital e uma história marcada por invasões, o país consolidou uma postura expansionista e criou proteção a partir da formação de uma larga esfera de influência.

Existe então para o Kremlin uma preocupação com a segurança nacional e um incômodo com a expansão da OTAN nas últimas décadas, inclusive para países que fizeram parte do Pacto de Varsóvia. Os russos argumentam que o Ocidente não cumpriu promessas feitas há mais de trinta anos: em 1990, o então Secretário de Estado americano James Baker concordou com o líder soviético Mikhail Gorbachev que a expansão adicional da OTAN era inaceitável e garantiu verbalmente que o bloco não iria crescer nem uma polegada adicional para o leste. Com base no princípio de “indivisibilidade de segurança”, pelo qual um Estado não pode se fortalecer em detrimento da segurança de outro, a Rússia fez uma série de demandas à OTAN, como a proibição da entrada da Ucrânia no bloco e limites às atividades militares no Leste Europeu.

Um paralelo com a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962 pode ajudar a entender a questão. Assim como os Estados Unidos julgaram como inaceitável ter mísseis soviéticos tão próximos de seu território, a Rússia possui hoje o mesmo sentimento em relação ao posicionamento das armas e tropas da OTAN em direção as suas fronteiras.

(gráfico 1)

Mas a Rússia deseja anexar totalmente a Ucrânia? Uma invasão completa seria extremamente custosa. Não é nada simples integrar e manter um território tão vasto. Veja o caso do Afeganistão onde os russos já tiveram um conflito que durou dez anos e que gerou impactos significativos na economia. Além disso, boa parte da população ucraniana, principalmente no oeste do país, é pró-Ocidente e seria difícil para Moscou administrar um país tão dividido. Os custos em termos de vida humana também seriam imensos e muito impopulares: ao contrário da situação da Crimeia em que a população aprovou a anexação, invadir mais regiões da Ucrânia não é consenso entre os russos e seria um ato mais arriscado. Se houver algum tipo de invasão, nos parece que um conflito mais localizado no leste da Ucrânia é mais provável que uma guerra de grande proporção. O leste da Ucrânia é onde os russos étnicos e os ucranianos de língua russa estão localizados, e onde existe uma região separatista desde 2014.

(gráfico 2)

A Ucrânia não é prioridade para os EUA.

Tampouco é de interesse do Ocidente se engajar em uma luta para defender a soberania ucraniana. Para os Estados Unidos, a Europa deixou de ter importância estratégica há muito tempo e o foco geopolítico atual está na Ásia, principalmente na China. Além disso, as eleições americanas de meio de mandato estão chegando e é de interesse do Biden resolver a questão o mais rápido possível, ainda mais depois do fracasso no Afeganistão. Do lado da Alemanha e da França, os países são dependentes do gás russo e temem uma eventual crise de refugiados que uma guerra acarretaria.

Estamos vendo esforços diplomáticos de todas as partes envolvidas, com uma série de reuniões nos últimos meses. Embora a Ucrânia esteja relutante em assumir uma posição de neutralidade, esse seria um possível caminho para a solução desse conflito. Se esse esforço diplomático falhar, uma invasão russa em regiões localizadas nos parece muito mais provável do que um conflito em todo o território ucraniano.

A Rússia construiu várias linhas de defesas econômicas.

A Rússia é muito conservadora na condução econômica do país, com balanços públicos e privados sólidos. A dívida pública é menos de 20% do PIB, as reservas ultrapassam USD 640 bilhões, a conta-corrente tem superávit de 8% do PIB e o banco central elevou os juros para 9,5% a.a. recentemente.

Mesmo que o risco geopolítico não desapareça completamente, vemos muito valor em diversos ativos russos: tanto a moeda quanto as ações nos parecem excessivamente descontadas quando consideramos os fundamentos e os possíveis cenários geopolíticos. Temos posições compradas no Rublo, que segue desvalorizado em relação aos preços do petróleo e do gás.

(gráfico 3)

Além disso, temos adicionado recentemente posições nas ações russas: cerca de 40% do índice possui exposição direta ao petróleo e gás e os lucros estão em máximas históricas, mas a precificação do risco geopolítico descorrelacionou o preço das ações dos seus fundamentos.

(gráfico 4)

Com uma economia extremamente sólida, a afirmação do presidente Biden de que as sanções seriam proporcionais à escala da invasão e uma Europa dividida, existe uma assimetria positiva nos ativos russos. Estamos monitorando os riscos envolvidos e temos posições que trazem um balanço para o portfólio, como no ouro e petróleo.

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