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Imagem Vidas Secas

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O impacto da falta de chuvas no Brasil

 

O clássico “Vidas Secas”, escrito por Graciliano Ramos, mostra a luta de uma família do sertão nordestino para sobreviver em um ambiente implacável, onde a seca não apenas define o cenário físico, mas molda as condições de vida dos personagens.

Fabiano, Sinhá Vitória e seus filhos enfrentam uma realidade em que cada gota de água é crucial para a sobrevivência. A narrativa nos convida a refletir sobre como os limites impostos pela natureza podem afetar as diversas esferas da vida.

Por que usamos Vidas Secas como analogia a este Kinea Insights?

O Brasil tem experimentado uma das mais severas e prolongadas secas em décadas: desde 1980 não chove tão pouco no Brasil.

E não é só a situação atual que é crítica. Os intervalos entre as crises hídricas estão cada vez menores. Tivemos a crise do racionamento em 1986 e, 15 anos depois, enfrentamos a crise do apagão em 2001. Após 12 anos, houve nova seca em 2013. Desde então, os intervalos diminuíram significativamente, com uma seca em 2017 e outra apenas quatro anos depois, em 2021. Agora, em 2024, novamente corremos o risco de uma nova crise.

A falta de chuvas impacta diretamente a economia em setores como geração de energia, agricultura e transporte agrícola. As hidrelétricas, principal fonte de geração de energia, sofrem com a escassez de água, forçando o uso das caras e poluentes usinas termelétricas. No campo, o solo seco prejudica as lavouras, afetando importantes motores econômicos do Brasil. O transporte hidroviário enfrenta dificuldades com rios baixos, complicando a logística de escoamento dos produtos. Além de prejudicar a atividade econômica do país, esses efeitos aumentam os preços e afetam toda a população.

Neste Kinea Insights, iremos explorar alguns dos impactos da falta de chuva em nossa economia e mostrar que esse problema pode estar mais perto da nossa realidade do que se imagina.

Bandeira Vermelha na energia elétrica – Como a falta de chuva afeta nosso dia a dia?

Na virada de setembro para outubro, a ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica, determinou a adoção da bandeira tarifária Vermelha 2, o que gerou um aumento de cerca de 10% na tarifa média residencial. Mas o que levou a ANEEL a determinar a bandeira Vermelha patamar 2 nas contas de energia do país inteiro?

As bandeiras tarifárias foram criadas durante a seca de 2014 e entraram em vigor em janeiro de 2015. O objetivo era ajustar as tarifas quando os custos de geração de energia aumentassem, incentivando a redução do consumo. Com a escassez de chuvas e o consumo de energia elevado, o país precisa acionar muitas termelétricas para atender à demanda. Esse acréscimo na conta de energia serve para cobrir os custos de operação dessas termelétricas.

Recentemente, a escassez de chuvas nos reservatórios durante o período úmido de 2021 foi mais grave do que no racionamento dos anos 2000. Felizmente, entre o fim de 2022 e o início de 2023, chuvas intensas reabasteceram os rios e reservatórios das hidrelétricas, garantindo o atendimento à demanda de energia. Desde maio de 2024, contudo, as chuvas voltaram a ficar em níveis historicamente baixos.

Ao mesmo tempo, temos observado o consumo de energia elétrica acelerar, crescendo 14% no acumulado dos últimos dois anos, impulsionado pelas altas temperaturas e pela atividade econômica mais aquecida.

Nesta época do ano, em que sazonalmente temos pouca chuva, fazemos uso dos reservatórios para abastecer o sistema. Apesar de o nível dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste ainda estarem em níveis saudáveis, a velocidade de redução tem chamado a atenção. Quando observamos o consumo dos reservatórios entre abril e setembro deste ano, temos a maior queda dos últimos 12 anos.    

Com as poucas chuvas e alto consumo, o Operador Nacional do Sistema tem acionado um volume cada vez maior de usinas térmicas, o que tem impactado diretamente os preços de energia elétrica no país. Um remédio amargo, mas necessário.

O sistema elétrico está sob pressão devido ao intenso uso de térmicas, similar a crises hídricas passadas. Se as chuvas continuarem abaixo de 50% da média histórica, os reservatórios podem cair para níveis críticos, inferiores a 30%. Nesse caso, mais de 15GW de térmicas operariam e haveria bandeira tarifária adicional na maior parte de 2025. Esperamos que o ONS e o governo adotem uma postura conservadora, despachando mais térmicas antecipadamente e acelerando a contratação de novas térmicas e a expansão de hidrelétricas com reservatório para mitigar esses impactos.

Os impactos no agronegócio

Além do setor elétrico, o agronegócio já começa a ser impactado pela falta de chuvas. A escassez tem sido concentrada em grandes regiões produtoras, como o Centro-Oeste e o Centro-Sul. Nos últimos três meses, a chuva nessas regiões foi inferior a 30% do volume normal dos últimos 30 anos.

A umidade do solo é crucial para a produtividade das culturas no país. Portanto, fatores climáticos, como chuvas e temperatura, são essenciais para o pleno desenvolvimento das plantações. No momento, se a atual situação climática perdurar, diversas das principais culturas do Brasil, como soja, milho, café e cana-de-açúcar, poderão ser impactadas, como veremos a seguir.

Milho Safrinha: o efeito dominó do atraso no plantio de soja

O Brasil é crucial no agronegócio global, sendo responsável por cerca de 40% da produção mundial de soja. A diversidade regional na produção ajuda a mitigar os impactos climáticos. Em 2015, por exemplo, enquanto o Centro-Oeste enfrentou chuvas abaixo da média no início da safra, o Sul teve precipitações favoráveis, compensando parcialmente a menor produtividade no Centro-Oeste. Atualmente, estamos em uma situação climática semelhante, com seca no Centro-Oeste e chuvas no Sul, possivelmente repetindo esse padrão.

Embora o clima seco tenha predominado até agora, isso ainda não é crítico, pois o período mais decisivo para a produtividade é durante as chuvas de dezembro. Além disso, a perspectiva para a safra de soja no Brasil indica um aumento na área plantada, especialmente no Centro-Oeste e Nordeste, o que deve beneficiar a próxima safra. Apesar de ser cedo para estimar o impacto na produtividade da soja, o clima atual aumenta a chance de atraso no plantio.

No Centro-Oeste, os produtores plantam duas culturas por ano: soja e, geralmente, milho. Um atraso no plantio da soja pode atrasar o início do plantio do milho, fazendo com que o milho safrinha perca a janela ideal de chuvas em março, tornando-o a principal vítima desse atraso.

Em caso da continuidade dos problemas climáticos em Mato Grosso, a área plantada e a produtividade do milho podem vir abaixo da tendência histórica, o que poderia resultar, apenas considerando o impacto em produtividade, em um aumento de cerca de 5% em relação à média do preço deste ano.

Entre geadas e secas: a tempestade perfeita no café

A situação do café é mais delicada. Ao contrário da soja, a área plantada de café não aumenta anualmente, limitando a recuperação da oferta. Além disso, a produção de café é altamente concentrada em Minas Gerais e Espírito Santo, que juntos representam cerca de 77% da produção nacional. Essa concentração geográfica eleva o risco de choques de oferta, pois eventos climáticos adversos nessas regiões podem comprometer grande parte da produção nacional.

Além disso, por ser uma cultura perene, a produção de café pode ser afetada por anos, mesmo por um evento climático relativamente curto, já que uma mesma árvore pode produzir abaixo do potencial em mais de uma safra. Isso torna o mercado de café mais vulnerável a choques de oferta, especialmente em anos seguidos de condições climáticas desfavoráveis.

A safra de 2025, que começará a ser colhida em maio, já levanta preocupações devido ao início de uma florada, período entre setembro e novembro, mais seca do que o ideal, o que pode continuar pressionando a produtividade do café.

Se tivermos problemas na safra, o impacto nos preços pode ser significativo. A última safra do Vietnã sofreu com problemas de produtividade devido ao La Niña. Soma-se a isso os problemas dos últimos anos devido a geada na safra brasileira. Com um consumo estável, o estoque de café está em seus menores níveis das últimas décadas.

Com os estoques extremamente baixos e a importância do Brasil no mercado global, um clima seco pode impactar significativamente os preços do café. Nesse cenário, o mercado de café enfrentaria um déficit pelo quinto ano consecutivo, e os preços em Nova York poderiam ter, em nossas estimativas, um aumento na média de cerca de 13% em relação à média do ano passado.

Seca e queimadas: duplo golpe na produção de açúcar

Já no estado de São Paulo, que representa 60% da produção de cana-de-açúcar, a seca certamente facilitou a rápida propagação do fogo. Soma-se à isso uma situação de safra que já não era favorável devido à escassez de chuvas no segundo semestre de 2023 e ao longo de 2024.

A seca e as queimadas reduziram a qualidade da cana, fazendo com que a colheita esteja sendo mais direcionada para a produção de etanol, mesmo com o açúcar remunerando melhor o produtor e com os investimentos para aumentar o mix açucareiro nos últimos anos.

Embora seja cedo para estimar os impactos, no pior cenário, chuvas abaixo da média durante o desenvolvimento da cana e produtividade poderiam impactar o preço do açúcar em cerca de 8%.

Como veremos a seguir, não é apenas a geração de energia elétrica e a produção agrícola que têm sido impactadas pela escassez de chuvas. O transporte de grãos do Mato Grosso tem como alternativa o transporte hidroviário, através do Rio Tapajós até o porto de Barcarena, no Pará. Com a falta de chuvas, essa alternativa tem ficado cada vez mais incerta.

Seca no Rio Tapajós: o impacto no escoamento dos grãos

Além do impacto no ciclo de plantio, a falta de chuvas tem causado impacto na logística do agronegócio brasileiro. Com o desenvolvimento do Centro-Oeste, o transporte fluvial ganhou muita relevância na matriz logística da produção de grãos. O Arco Norte deu um salto no market share logístico com o asfaltamento da BR-163, que liga o norte do MT a Miritituba, no Pará. Para se ter ideia de sua relevância, sua fatia no share logístico da exportação de grãos do Centro-Oeste saiu de quase zero para mais de 30% nos últimos dez anos.

Entretanto, esse modal logístico está em risco por conta da seca atual. O calado do Rio Tapajós, na região de Miritituba, está na mínima histórica para essa época do ano, com menos de dois metros de profundidade. O impacto direto é que as barcaças acabam tendo de viajar em comboios menores, diminuindo muito a produtividade da navegação e, consequentemente, elevando os custos logísticos.

A seca atual representa, portanto, um grande desafio para o agronegócio brasileiro, afetando não apenas o ciclo de plantio, mas também o escoamento da produção. Essa situação se assemelha à luta constante retratada por Graciliano Ramos em “Vidas Secas”, em que os personagens enfrentam as consequências da aridez e da falta de recursos.

No entanto, enquanto no romance o sofrimento causado pela seca é sentido de forma individual e humana nas paisagens do sertão, na realidade do agronegócio brasileiro, o impacto se espalha por toda a economia, reverberando nos preços e na atividade econômica do país, como detalharemos na próxima seção.

O transbordamento para o resto da economia

Nossa inflação guarda uma correlação elevada com preço de commodities, em particular, commodities ligadas a alimentos. Invariavelmente, choques climáticos acabam afetando nossa inflação, de forma direta, ou indireta.

Uma quebra nas safras mencionadas acima, deve trazer aumento nos preços dessas commodities. O efeito direto da alta desses bens no IPCA frente a um cenário de normalidade seria de 25bps. Em nossas projeções, incorporamos parcialmente essa alta. Caso de fato se confirme, teríamos revisões altistas em nossos números do ano que vem.

Além do efeito direto, a estiagem está ligada ao aumento de preços de outros alimentos, como carne bovina. Na ausência de chuva, o gado de pasto passa a ser criado em confinamento, aumentando o custo de produção. As demandas interna e externa aquecidas têm contribuído para elevar pressões no preço da carne bovina e, por efeito substituição, das demais proteínas.

Em relação à energia elétrica, nossa expectativa hoje é fecharmos o ano na bandeira Vermelha 1, o que adiciona 26bps na nossa projeção do ano frente à estimativa inicial de bandeira Verde. Ainda, reconhecemos o risco de bandeira Vermelha 2 – o que adicionaria mais 19bps.

Olhando nossa balança comercial, cerca de 30% do que exportamos está ligado ao agronegócio como um todo. Em nossas estimativas, caso o cenário de seca se confirme, haverá queda na produção e exportação de grãos, da ordem de 10%, o que levaria a uma queda nas exportações na ordem de USD 8 bilhões caso os preços se mantivessem constantes.

No PIB de 2025, uma quebra de safra de soja, milho, café e açúcar poderia ter um impacto negativo direto de 0,3 p.p. do PIB, quando analisamos sob a ótica da oferta. Para além dos efeitos diretos, o agro tem transbordamento para diversos setores da economia, como transportes e armazenamento e esse impacto pode ser maior do que o estimado.

Sob a ótica da demanda, o principal canal de transmissão é via investimento. Altamente intensivo em tecnologia, quando o campo vai bem, vemos maior compra de máquinas e equipamentos e vice-versa. Portanto, o investimento no PIB costuma ter correlação positiva com a renda agrícola. Essa relação descolou em dois momentos, durante a crise do governo Dilma, quando o investimento em construção civil colapsou, e mais recentemente, com o corte na Selic, mas a influência ainda se faz presente.

Por mais que os preços possam compensar a eventual quebra na safra de soja e milho, ainda assim o produtor sofrerá perdas, levando a uma nova queda na renda  neste ano – a terceira consecutiva.

Muitas vezes visto como um oásis na economia doméstica, o agro brasileiro agora enfrenta meses de seca. O impacto no resto da economia, no fundo, dependerá de quão longa for essa travessia pelos tempos áridos. No livro Vidas Secas, a chegada da chuva é tratada no Capítulo “O Inverno”, refletindo o padrão pluvial do Nordeste. O nosso agro, contudo, aguarda ansiosamente a chegada do verão.

***

Em resumo, o Brasil, ao longo das últimas décadas, tem enfrentado um clima cada vez mais seco, cujos impactos se fazem sentir em diversos setores da economia.

A escassez de chuvas pressiona os reservatórios de hidrelétricas, elevando o custo da eletricidade; prejudica os transportes, especialmente fluviais; impulsiona a inflação; e, afeta a produção agrícola, ameaçando a posição proeminente do Brasil no setor agropecuário global.

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Nesse cenário, estamos mais cautelosos com a venda de grãos no momento e temos posições compradas em café e em ativos que se beneficiam da maior demanda por energia, como a Equatorial, e dos maiores preços de energia elétrica, como a Eletrobras, que ainda possui uma parcela relevante de geração descontratada a longo prazo e se beneficia do momento atual.

Assim como Fabiano e sua família, o Brasil moderno também enfrenta uma luta constante contra a natureza e as consequências de um clima cada vez mais incerto.

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